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The anthropology of the Amazon offers today an ideal field for the analysis of the relationships between the visual and the acoustic. In the last twenty years the question of the relationship between iconographies, narrative structures, ritual chants, and, in general, the pragmatics of the transmission of knowledge has been intensely and productively debated. A group of researchers (let us quote here Guss (1986, 1989); Gow (1988, 1999), Vidal, Pessis, and Guidon (2000), Barcelos Neto (2002, 2013), Fausto (2011a, 2011b), Langdon (2013) among many others) have shown that a complementary relation exists in Amazonian iconographic practices, between myths, ritual chants, and the drawings, picture-writings, or body-decorations related to them. As a consequence, iconographies are no longer seen as redundant decorations. They are understood as “variations” of the same “conceptual imagination” that generates mythical narrations (Severi and Fausto 2014). In short, synesthesia is everywhere in the Amazon. Not only do complex verbal compositions, like shamanistic chants, always presuppose the experience of vision, but “what can be seen as an image” can always be perceived, by another subject and from another perspective (Viveiros de Castro 2004), as a sequence of sounds. This is why, as Barcelos Neto has recently shown, the image of a mythical anaconda can be interpreted simultaneously as a sequence of graphic themes and as a sequence of chants (Barcelos Neto 2013: 183). How can we understand this situation of constant “synesthetic fusion” where “what is seen” can be constantly translated into “what is heard,” and vice versa? What happens when the same concept (often expressed by a proper noun) is “translated” from verbal expressions to images and from images to sounds? Until now, I have only laid some provisional ground for this kind of analysis (Severi 2014). In this lecture, I would like to extend this first, provisional sketch of analysis to the ensemble of the Amazon.

Fabiana Bruno (UNICAMP)

Explicar o que é uma imagem é ainda tarefa difícil, pois inevitavelmente não existe algo tão inseguro do que interrogar este enigma reincidente que é o “ser da imagem”. Como definir a fascinante matéria imagem? Interrogando a imagem no âmbito de pesquisas realizadas ao longo da última década minhas indagações desdobraram-se. A imagem é em si, esse território do multiverso, terreno que convoca a evocar. E é a evocação, diz Hans Belting (2005), que perdura e só faz sentido quando somos nós que a indagamos. Vivemos em corpos físicos, com os quais geramos nossas próprias imagens e, por conseguinte, podemos contrapô-las a imagens do mundo visível, nos diz o autor. Mas como adentrar ao campo antropológico da imagem para escavá-lo?

Percorrerei um duplo movimento de exploração metodológica do estudo da imagem em pesquisas antropológicas em torno do quê e do como se conta/ e o quê e como se mostra ou evidência por imagem. No primeiro, a constituição de narrativas visuais de vida, a partir de fotografias guardadas por pessoas idosas, em álbuns, arquivos e caixas. Para Emmanuel Alloa (2015), o saber das imagens máscara imperfeitamente sua experiência. A experiência de uma imagem, diz ele, é que nos interpela. Ao perscrutar a vida das imagens numa abordagem antropológica, deparei com um universo singular onde reina a suspensão, as insurreições e o estado de ser órfão das imagens.

Estabelecerei com elas o segundo movimento, para refletir sobre o que não se conta, mas se mostra (potencialidade heurística do visual) em fotografias órfãs de família – o termo “órfã”, designado às imagens, desvinculadas de uma identificação de origem ou pertencimento a uma família. A tentativa é pensar sobre a vida dessas imagens, a partir da fusão dessas fotografias viajantes, desde o tempo dos álbuns até o agora para fora deles. Fotografias, como conjuntos de arquivos-vivos e sobrevivências culturais (Aby Warburg:2000 e Georges Didi-Huberman:2013), lançam-se a outras temporalidades, a de um tempo, cuja formação é de memória de memórias, mas que não estão compelidas a sobreviver temporalidades distintas e participar de uma montagem não-histórica. Tem-se então a luz de que, a todo tempo, a imagem, como um ato de olhar (Carlo Severi:2004), é uma aparição (Didi-Huberman:2015) que teima em habitar a vida e a subverter o próprio tempo, o
dela, o do presente, do passado e do futuro.

Els Lagrou (UFRJ)

O parentesco entre grafismo e escrita foi notado por muitos indígenas e anotado por vários etnólogos. Em grande número de línguas indígenas usa-se a mesma palavra para a escrita dos brancos e o grafismo que marca os padrões usados na pintura corporal e facial e nos artefatos. Foi ao me observar tomando notas no caderno que uma velha senhora huni kuin se aproximou de mim e iniciou seus ensinamentos sobre as associações que nos interessam aqui. Ela tirou da minha mão a caneta com a qual estava escrevendo e começou a desenhar padrões na sua própria mão. Este gesto, vinha a entender, visava mostrar a equivalência entre desenhar palavras em papel (nawan kene) e traçar padrões na pele (kene kuin). Mas a semelhança denotava também um contraste importante. Se traçar linhas na pele e nas superfícies das coisas aponta para as relações que conectam as linhas e os fenômenos visíveis e invisíveis que povoam o mundo, visando fixar o conhecimento destas relações nos corpos, a escrita visa estocar o conhecimento fora do corpo. Esta diferença foi notada por muitos intelectuais indígenas, desde meus mestres Huni Kuin aos Piro e às esclarecedoras páginas a respeito do assunto no livro A queda do céu de Davi Kopenawa.

Clastres já notara a profunda diferença entre escrever a lei no livro ou no corpo (1973 (2003), e sobre o assunto, Deleuze e Guattari apontam que o signo neste caso age por sua inscrição no corpo, sendo a marca muito mais do que uma mensagem. As formações orais seriam orais, segundo os autores, porque elas têm um sistema gráfico independente da voz, que não se alinha sobre ela e não se subordina a ela, mas lhe é conectado de modo pluridimensional. Na escrita linear, por sua vez, “é alinhando-se sobre a voz que o grafismo a suplanta e induz uma voz fictícia” (Deleuze & Guattari, 1976: 238-239).

Me parece que quando os antropólogos começam a refletir sobre a relação e a diferença entre desenhar e escrever em campo, algo desta lição indígena parecem ter aprendido; de que o desenho é para nós algo próximo do que é o grafismo para os povos sem escrita, uma reflexão e apreensão sintética da realidade, diferente daquela expressa linearmente pela escrita. O entenderam Taussig e Ingold, o primeiro ao refletir sobre a diferença entre fotografar, escrever e desenhar para grafar experiências na memória, e o segundo ao refletir sobre a importância do fazer no processo de apreensão cognitiva.

Como muitos colegas etnólogos, mais do que comumente se pensa, eu desenhava muito no campo. Desenhava retratos, reproduzia processos técnicos e copiava padrões gráficos. Foi este fazer que me deu a chave de compreensão do sistema gráfico huni kuin. Ao ser convidada a desenhar, pela primeira vez, o rosto de uma jovem mulher, foi a enfática rejeição desta minha primeira tentativa que me revelou o profundo contraste entre desenhar figuras sobre um papel e traçar labirintos sobre um rosto. A qualidade do último consiste em não permitir que o olhar decida sobre qual é a figura e qual é o fundo do desenho. Se no primeiro caso se trata de delinear uma imagem mental, no segundo se trata de compor um espaço gráfico.

Proponho explorar nesta fala as consequências epistemológicas do aprender a desenhar em campo como parte de um projeto maior de passar por um aprendizado corporal. "É fazendo que se aprende"; esta frase resume bem as teorias indígenas sobre aprendizado, como esclarece Nelly Marubo, quando afirma que para aprender e memorizar histórias sobre as origens das coisas é preciso que o conhecimento “passe pelas pontas das mãos” (2017).

Aina Azevedo

O desenho se insere na rubrica “imagem” que, por sua vez, reúne uma diversidade de expressões antropológicas com pouco em comum além do fato de diferirem – formalmente – da “escrita”. É a partir dessas diferenças, dessa posição – ou melhor, dessa oposição entre “imagem” e “escrita” – que surgem alguns questionamentos: O que faz o desenho na Antropologia ou como pode o desenho fazer Antropologia? E, ainda: Qual seria o lugar do desenho na Antropologia? Na atualidade, como observa Ballard (2013), assistimos a uma “virada gráfica”, quando diversos autores nos convidam a desenhar e a pensar sobre o desenho na Antropologia, entre eles Newman (1998), Colloredo-Mansfeld (1999, 2011), Ramos (2004, 2009, 2010, 2015), Hendrikson (2008 e 2010), Taussig (2009, 2011), Ingold (2011a, 2011b, 2013), Causey (2012), Olivar (2007, s/ data, 2010), Kuschnir (2012 e 2014), Azevedo (2013 e 2014), Geismar (2014), Borseman (2014), Ballard (2013), Azevedo e Schroer (2016) e Azevedo e Ramos (2016). Esse amplo conjunto de expressões diversas espalhadas pelo globo não se caracteriza por qualquer homogeneidade – alguns defendem o desenho como parte do processo de pensar, sem que seja necessário exibi-lo; outros transformam o próprio ato de desenhar numa metodologia de pesquisa; e ainda há aqueles que usam o desenho como forma de expressão do seu conhecimento em Antropologia. Do mesmo modo, existem também variações de estilo e método – há quem opte por desenhar em cadernos, com foco no “princípio de narratividade” (Ramos 2008: 153) presente na sequência de folhas desenhadas; há quem busque inspiração na arte sequencial para construir uma narrativa desenhada, mas com o auxílio de palavras; há ainda quem se dedique apenas ao esboço, sem nenhuma pretensão estilística ou de narrativa; e outros que demonstram conhecimento técnico do desenho, em contraposição àqueles que não demonstram nenhuma destreza ao desenhar. Diante dessa diversidade de experiências – resultante de uma prática não formalizada na Antropologia de produção e exposição do conhecimento –, a presente comunicação tem como objetivo refletir sobre as contribuições epistemológicas do desenho à Antropologia. Entre a escrita e o desenho, acompanho a ideia defendida por Taussig de que “é bom andar com duas pernas ao invés de uma” (2011: 30). Ou seja, entre o desenho e a escrita, por que não ambos?

Ana Niemeyer (UNICAMP)

Em pesquisas de antropologia (1972 a 1977, favela na cidade de São Paulo; 1997 a 2001, escolas públicas na periferia paulistana), recorri ao desenho, realizado por morador@s da favela para entender como @s morador@s viam a situação de moradia: a atual, a passada,a futura, e a ideal. Nas escolas públicas no estudo com meninos e meninas entre 11 e 15 anos -ensino fundamental I-, procurei, através do desenho, trazer à tona a discriminação e o racismo sofridos pelo pertencimento étnico, pelo tipo de moradia e pelo comportamento que fugia ao padrão hegemônico de gênero. Temas esses silenciados no ensino.
Supus que o desenho de temas sugeridos por mim revelaria pontos de vista não atingidos através de entrevistas e de observação participante.
Desenhar não é algo alcançável por todas as pessoas, pois depende de muitas variáveis, entre outras, da escolarização, da convivência em grupos sociais, e de aptidões pessoais. Assim, é compreensível que na favela aqueles que o fizeram eram pessoas que já vinham se expressando artisticamente -ora desenhando, ora fazendo objetos com sucata. Nas escolas desenhar era uma atividade conhecida, pois incentivada no processo de ensino e aprendizagem. Escolhi para esta discussão desenhos d@s morador@s da favela e dos estudantes das escolas que possibilitam refletir sobre estes, entre outros, desafios colocados pelo desenho em pesquisas de antropologia urbana: a) entender a presença ou a ausência da escrita nos desenhos; b) explorar o significado da assinatura d@ autor@ em alguns desenhos; c) mostrar a relevância de espaços em branco, pois estes seriam semelhantes ao silêncio em um diálogo; d) revelar como o cotejamento de alguns desenhos com narrativas situadas em entrevistas, possibilitou o entendimento da noção de pessoa; da relação entre sensibilidade e racionalidade; e a compreensão da alteridade presente no “encontro” entre a pesquisadora, @s morador@s da favela e @s estudantes.

Rafael Hupsel (USP)

Esta comunicação apresenta algumas considerações sobre o uso da fotografia para uma etnografia da experiência com a ayahuasca. Problematizando as potencialidades e as limitações da imagem fotográfica na prática etnográfica, descreverei o percurso realizado durante minha pesquisa de campo junto aos integrantes da Irmandade Beneficente Natureza Divina, grupo que faz uso desta substância em seus rituais. Utilizo as relações que estes estabelecem com imagens fotográficas produzidas por mim nos rituais de preparação desta beberagem como tema de interlocução, pensando nas possibilidades que esta abordagem dialógica pode ter tanto para uma discussão reflexiva junto aos meus sujeitos de pesquisa sobre os sentidos desse ritual quanto para refletir sobre novas formas de inserir o uso da fotografia na antropologia visual.
O aspecto visionário da experiência com a ayahuasca – amplamente discutido na disciplina antropológica – tornou-se um tema recorrente nessas interlocuções com alguns integrantes deste grupo, em parte pela constatação de que a estética documental das fotografias que eu vinha apresentando até então não dava conta das visões interiores comumente vistas sob efeito desta bebida. Alguns interlocutores, a meu pedido, passaram a produzir diversos desenhos que reproduziam as visões suscitadas pela ingestão da beberagem. O ocorrido propiciou novas discussões a respeito da natureza das imagens produzidas pela experiência com a ayahuasca, permitindo delinear não apenas as particularidades apresentadas em cada desenho, mas também certas recorrências comuns a todos eles. A partir das leituras dos autores sobre seus próprios desenhos, pude refletir sobre como estas imagens poderiam dialogar com o uso da fotografia em que esta etnografia se baseia. Passei a realizar experimentos com a imagem fotográfica que incorporavam elementos destas visões e, quando apresentadas novamente aos meus interlocutores, estas novas linguagens revelaram aspectos ainda não sondados em minha pesquisa, tocando em temas como a ontologia destas visões, sua agência sobre aqueles que as veem e como elas estão intrinsecamente relacionadas a significados compartilhados por todo o grupo.
A partir da apresentação deste material visual, discutirei como a desconstrução da ideia canônica da imagem fotográfica enquanto traço ou referente do real pode contribuir para evocar, na etnografia, aspectos subjetivos e inefáveis da experiência com outras realidades, propiciadas pelos estados alterados de consciência e dificilmente acessíveis ao pesquisador somente pelo discurso verbal.

Vânia Zikán Cardoso (UFSC)

Grande parte das reflexões antropológicas em torno das religiões de matriz africana no Brasil revolvem em torno da incorporação e dos processos de composição pessoa/entidade. Outra discussão que ocupa parte das considerações antropológicas acerca dessas práticas religiosas é a produção de imagens de ritos, públicos e privados, e as condições de circulação e publicização dessas imagens, questões potencializadas pelo advento das imagens digitais e dos aplicativos de redes sociais. Conquanto estes dois campos se entrecruzem em importantes discussões em torno do estatuto de imagens que supostamente dão a ver o que é ou deveria ser da esfera do privado ou do segredo - e as consequências éticas e políticas desse dar a ver -, menos atenção se dá àquilo que se dá a ver e aos afetos desse dar (ou não) a ver. Não é infrequente ouvirmos dizer que não se pode capturar em imagens o momento de incorporação, porque isso poderia levar o filho de santo à loucura. Tampouco é incomum, em casas de candomblé, que espelhos sejam encobertos quando da esperada presença de entidades incorporadas. Em ambos os casos, o que parece ser interdito é uma co-incidência de um olhar e uma imagem, uma sobreposição que não pode ser objeto de uma mirada em particular. Em outras instâncias, circulam estórias e descrições sobre a incorporação de uma ou outra entidade em que profundas transformações nos corpos dos filhos de santo se manifestam no plano do visível para uns, mas não para outros. Imagens dessas incorporações suscitam comentários semelhantes, tornando-se então índices de um campo de percepções onde a composição pessoa/entidade se dá (ou não) a ver de formas diferenciadas. Nessas reflexões preliminares nos voltamos justamente para estas passagens entre imagens e estórias, em que a realidade do (não)visto se materializa em palavras e as imagens afetam o estatuto do visível.